Não deixe a perereca da vizinha acabar com a sua empresa
Desde muito cedo em minha infância, lembro dos perigos de introduzir uma raça indígena em um novo ambiente. O exemplo sempre era uma simples perereca, de cores vibrantes, que acabava de algum jeito pegando carona no trem de pouso do avião de algum turista, que a jogava fora antes de embarcar.
Ela era então transportada de seu país de origem para um outro, e pronto, lá teríamos um efeito catastrófico, variando desde a superpopulação de pererecas que acabaria com o ecossistema de insetos, até pererecas mutantes gigantes que desfilariam em carros alegóricos (Essa última tem acontecido menos, nos últimos anos)
Eu já vi essa perereca no mundo corporativo. Ela se chama “consultor de reengenharia”, ou coisa parecida.
Antes de fundar a MicroSafe, há mais de 10 anos atrás, trabalhei como CIO (na verdade, na época nem existia essa sigla. Era “Gerente de CPD”, mesmo) de vários grandes hospitais e laboratórios do Rio de Janeiro. Em dois deles, vi uma cultura estranha acabar com empresas.
O cenário era sempre o mesmo: em um dado momento de sua vida, todo empresário, de qualquer porte, se pergunta sobre os rumos de seu negócio. Se ele poderia ganhar mais, perder menos, investir mais, fazer melhor. Ele primeiro se volta para seus gerentes, sócios, amigos, internet, enfim, as fontes de informação e consultoria que tem a mão, mas não consegue uma resposta satisfatória, porque está à procura de uma fórmula mágica, que simplesmente não existe. Passa a exigir mais e mais de sua diretoria e equipe, mas sem rumo, sem objetivo, sem metas, planos, apenas “quer mais”.
É nessa hora que ele está mais vulnerável. E surge o salvador da pátria: o consultor milagroso! Diferente do trabalho sério e realista de consultoria, este verdadeiro vampiro corporativo, envolvido em promessas mirabolantes de levar sua empresa ao topo do Google, ou cortar 30% de custo, “abre seus trabalhos” com mudanças radicais na empresa, que você, fragilizado, apóia instantaneamente.
O interessante destes métodos é que eles, invariavelmente, sempre colocam aquela mesma equipe que suou e batalhou pela sua empresa, contra você. Em nome da eficiência, dos resultados, a perereca vampira adora apontar dedos. E cortar cabeças. Afinal de contas, ele tem que provar que as idéias DELE são melhores do que as que sua empresa está implementando. E como ele não pode culpar VOCÊ MESMO pelos erros da sua empresa, por ter medo de perder o contrato, sobra pra equipe, fornecedores (às vezes, até clientes) mais do que deveria realmente sobrar. Que podem ter erros, mas nunca são os únicos culpados. A equipe, por sua vez, pressionada, culpa a crise, o mercado, a gripe aviária, os juízes das escolas de samba de São Paulo… pronto. Alguns se bandeiam pro lado da perereca, mais por medo de perder o emprego, do que por acreditar nas idéias dela. Está armado o conflito interno.
Eu vi duas empresas gigantescas da área de saúde sucumbirem a estes encantos, ao ponto de minar completamente a cultura da equipe. Eram ambas empresas com excelentes ambientes de trabalho, espírito de equipe, colaboração, que de fato tinham problemas gerenciais, mas ao adotar a saída acima, não consertaram o que tinha de ruim, e estragaram o que já tinham de bom. Foi parte do motivo que me levou a abandonar a área, 10 anos atrás, para montar meus próprios negócios. Coincidência ou não, elas hoje não são mais de seus donos. Foram vendidas recentemente (uma tem menos de 2 anos). Sinal de que o problema ainda existe.
Meu humilde conselho é que consultoria, aprendizado, informação é vital para qualquer negócio, mas qualquer administrador, antes de tudo, precisa entender e digerir as informações que recebe, a ponto de conseguir ver seus próprios erros e fltrar tudo que recebe, de maneira a não sair simplesmente “passando por cima” de sua equipe, interna ou externa. Todo empresário no Brasil acaba tendo que ser um pouco (ou muito!) contador, psicólogo, advogado e sabe fazer cafezinho, então nem é realmente um peso a mais aprender sempre.
Que fique claro que não estamos dizendo que consultoria é ruim. Estamos dizendo que “deixar a perereca solta” é que é fatal. Em vez de mandar um estranho, ou você mesmo, passar por cima das visões da sua equipe, oriente, convença-os com números, fatos, experiências. Trabalhe junto com todos, consultor inclusive, mas JAMAIS deixe-o solto, sozinho, em sua empresa. É o SEU patrimônio, VIGIE-O. Esteja CERTO do que deve fazer no sentido de TENTAR. É praticamente garantido que você vai errar muitas vezes, mas isso irá lhe ensinar mais do que seus acertos, chega a ser clichê dizer isso. É fundamental que você reconheça seus próprios erros e limitações com a ajuda de todos.
Agora, se ainda assim, sua equipe não colaborar ou se convencer, também não tenha medo de exigir o cumprimento dos caminhos que você acha certo. Afinal de contas, raramente toda sua equipe terá o alcance de entender o que está em jogo para você. Estabeleça metas e métricas objetivas, e cobre-as com o fervor de um capataz de Orcs. Muitos estarão acostumados ao que vêm fazendo desde que nasceram, e resistirão à mudanças. Converse, oriente, premie, mas se não tiver jeito: exija. Exija SEMPRE de você mesmo e de sua equipe que sejam melhores do que foram ontem, e piores do que serão amanhã. Sua empresa PODE MAIS. Sempre!
E se nem mesmo isso der certo, tire-os do caminho. Discurso bonito e enlevante não funcionam sem prática e resultados mensurados, ou com gente tacanha, “Pardon my French”.
Mas sempre será melhor que eles ouçam tudo isso de você, que tenham a opção de se adaptar ou não, e que decidam acompanhar ou não, sem se sentirem julgados por um alienígena. Quando os resultados vierem, aos poucos eles olharão para trás e verão como tudo está melhor, e que, foi tudo prata da casa. Muitos não admitirão as melhorias, claro, afinal, sofreram durante as mudanças e não podem “dar crédito” a este tipo de atitude, porque simplesmente não querem passar por isso novamente.
Mas ainda assim, vai ser muito melhor do que deixar a perereca vampira pegar todo mundo.