Por que a Black Friday no Brasil decepcionou tantos clientes?
A Black Friday no Brasil teve vários erros de apresentação que podem ter arranhado a imagem de uma boa ideia para sempre
A Black Friday (Sexta-feira Negra) é um evento de compras que segue o feriado do Dia de Ação de Graças estadunidense. Considerada a maior data de compras dos EUA, é famosa pelos vídeos de pessoas se acotovelando na porta de grandes lojas de varejo, às 0h de sexta. Uma vez que as portas se abrem, os clientes (chamados de “DoorBusters”, ou seja, “Derrubadores de Portas”) irrompem em debandada para dentro dos grandes magazines, em busca de ofertas que, de fato, chegam a 70%, 80% e, não raro, ate 90% do preço normal anunciado. Além do evento de compras em si, são bastante noticiados casos de agressão, roubos, quebra-quebra, e, não raro, até mesmo mortes durante esse verdadeiro estampido de consumidores, o que só serve para tornar a data ainda mais mítica na mente dos consumidores. De alguns anos para cá, o comércio online também entrou na onda, e as promoções passaram a ficar disponíveis em grandes sites de compras, como a Amazon.com, BestBuy.com, etc.
Desde o ano passado, o Brasil tenta imitar este frenesi. A primeira tentativa foi em 2010, limitou-se ao comércio eletrônico e não gerou muita repercussão. Enquanto a Black Friday dos EUA movimentou o equivalente a R$ 1.2 bilhão de Reais, no Brasil, ficamos em apenas R$ 3 milhões, o que não passa de um “dia bom” no varejo brasileiro. A ideia da Black Friday no Brasil de 2011 era arrecadar R$ 15 milhões. Desta vez, foi feito um grande alarde, prometidos descontos de 70%. Além de várias lojas online conhecidas e famosas no Brasil, uma rede de supermercados seria a primeira grande rede do varejo físico a aderir ao Black Friday no Brasil. Os mesmos descontos de “até 70%” foram alardeados.
Black Friday no Brasil ou Tiro pela culatra?
Nem bem amanheceu a sexta-feira, e o Twitter e Facebook já estavam inundados de reclamações de consumidores decepcionados com a Black Friday no Brasil (muitos bastante frustrados, com razão). Ao longo da sexta-feira, vários sites de notícias ecoavam as insatisfações dos clientes: além de problemas com a disponibilidade dos sites em si, os descontos de fato anunciados eram apenas os descontos normais, já manjados, de quem acompanhava as próprias comunicações de marketing das empresas que visitavam. Literalmente, “requentaram” os descontos. Pior: algumas lojas visivelmente aumentaram os preços normais de seus produtos, para que o preço “em promoção” aparentasse ter um desconto maior do que realmente tinha (Ou seja, um produto que custava R$ 1.000 na quinta, foi anunciado como custando R$ 2.000 na sexta, “mas na promoção, saía por R$ 800,00”. Enfim, o desconto até existia, mas muito menor do que o real). No final do dia, o UOL, um dos maiores portais do país, já noticiava que o Procon de SP iria investigar as empresas que empregaram essa prática.
Mas importante que as duas notícias acima são os comentários que os clientes fizeram nelas. Se puder, não deixe de ler.
Por que não deu certo?
Podemos listar vários motivos pela qual a Black Friday no Brasil frustrou tanta gente, tanto pelos pontos de vista do marketing, como econômicos e culturais:
- Em primeiro lugar, e muito importante: para o propósito da discussão abaixo, vamos definir como a Black Friday no Brasil foi anunciada: “Descontos de até 70%”, e quando se analisa a propaganda divulgada em torno da data, o que se vê são, principalmente, produtos de tecnologia, telefonia e eletrônicos. Nos EUA, a Black Friday se aplica a simplesmente tudo, desde Notebooks até um Conjunto de Panelas que uma amiga minha de North Carolina ainda está tentando comprar desde sexta…
- Existe uma diferença cultural e econômica gigantesca entre Brasil e Estados Unidos. Nos EUA, trabalha-se com margens de comercialização de produtos, normalmente, de 45% sobre o preço de compra. Ou seja, se a Amazon adquire um produto por U$ 100, o normal é que ela o venda por US$ 145. Não se assuste, afinal de contas, eles não pagam a carga tributária que nós pagamos. Então, os lojistas de lá podem trabalhar com margens maiores. Aqui no Brasil, simplesmente não existe produto de tecnologia, telefonia ou eletrônicos que pratique esta margem, porque se fôssemos colocar tal percentual de 45% em cima dos impostos que incidem nos produtos, um Notebook jamais custaria apenas R$ 999, como já está custando hoje. Por isso, as lojas online do Brasil trabalham com margens que, muitas vezes, não chegam a 10% (outros setores costumam ter margens bem maiores). Podemos inferir uma margem de 5% a 15%, em média.Logo, como prometer “descontos de até 70%” em produtos que normalmente não tem esta gordura para queimar? Se você já pratica margens baixas, como 5%, só pode dar 2% de desconto, e olhe lá. Só a partir deste conhecimento, já se pode desconfiar bastante da proposta da Black Friday no Brasil;
- O segundo problema, agora que sabemos desta questão da margem, é justamente querer pegar carona em um verdadeiro fenômeno cultural de compras de outro país, que simplesmente não temos como reproduzir aqui! Para que o Brasil conseguisse, de fato, praticar descontos como estes, toda a cadeia, desde o fabricante, até revendas como a MicroSafe, precisariam se engajar no processo, cada uma cortando o que pudesse, para que no final, a soma das partes fosse significativa para o cliente final. É perder um pouco, para vender muito, e ganhar no volume. Não houve qualquer coordenação neste sentido. A coisa toda foi na base do “E aí, vamos fazer uma Black Friday no Brasil? Vamos! Tá legal, eu participo, digo que vou dar desconto, e faço o que posso”;
- O terceiro problema é que em plena era das redes sociais, da comunicação globalizada e instantânea, copia-se um modelo estadunidense achando que o público Brasileiro esperaria se contentar com menos do que existe lá fora! Qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento na internet consegue pesquisar, entender, e ainda por cima ver na prática os descontos que são praticados lá fora. Quando se anuncia que vai ter uma Black Friday no Brasil, a expectativa do cliente Brasileiro é conseguir comprar uma TV de R$ 1.000 por R$ 300, e não por R$ 800! Que fosse 50%, ainda assim, valeria a pena. Isso não aconteceu, e pelo motivo da margem, já vemos que nem seria possível, sem acordo com toda a cadeia, o que nunca foi orquestrado;
- O quarto problema foi subestimar o engajamento do consumidor Brasileiro com a Internet, em vários sentidos. O cliente não é bobo. Cansei de ver comentários no Facebook este fim de semana de pessoas que viram, em plena Black Friday no Brasil, exatamente as mesmas promoções que já tinham visto em newsletters das próprias lojas que acompanhavam antes! A impressão que se tem é que apostaram no embevecimento do consumidor 2.0 com um evento, como se ele fosse achar que “se está na Black Friday, é porque está mais barato”. Hoje existem Blogs que se dedicam a acompanhar preços de commodities tanto aqui como lá fora (um exemplo é o excelente Blog do Jotacê, que acompanha promoções de Blu-ray no Brasil e lá fora). Os consumidores estão se informando. Subestimar isso é chamar seu cliente de ignorante;
- Finalmente, o pior problema de todos já foi mencionado na notícia do UOL: empresas que maquiam ou inflam preços artificialmente, uma tática que já vem sendo usada há muito tempo por sites de compras coletivas. Estes agora estão na mira de clientes insatisfeitos. O problema é que o que antes acontecia isoladamente, e poucos comentavam, agora foi capitalizado por todo o alarde em torno da Black Friday no Brasil. Milhares de clientes, viram, ao mesmo tempo, o que estava acontecendo. Eles se entreolharam. E não gostaram do que viram.
Poderíamos continuar, mas o post já ficou longo demais.
Toda essa nossa manifestação é porque a moeda mais valiosa do comércio online, na qual nos incluímos, é a credibilidade. Toda vez que ações desastrosas como esta acontecem, somos prejudicados com maior (e justa) desconfiança por parte do cliente 2.0.
Não pode existir Black Friday nem Cyber Monday no Brasil. Temos que criar nossos próprios eventos promocionais e anunciar descontos reais, em conjunção com os fabricantes, que infelizmente, jamais chegarão aos 70% dos EUA, e justamente por isso a comparação com os eventos deles deve ser EVITADA, e não adotada. Criar expectativa que você não pode cumprir deveria ser a primeira lição do marketing consciente.
Fica pra próxima. Se tiver!
(Nota: na data em que este post foi escrito, não existiam números sobre a Black Friday no Brasil de 2011. Mas adiantamos que mesmo que as vendas tenham alcançado os objetivos dos organizadores, o dano de imagem está irremediavelmente feito)