Rio de Janeiro, a terra dos feriados e do descaso com a economia e os empregos
EDITORIAL: O texto abaixo reflete apenas a minha opinião, e não a da MicroSafe ou de sua equipe
Em primeiro lugar: eu adoro o Rio de Janeiro. Sou Carioca, mais do que isso, tenho orgulho de sê-lo. Um orgulho tão grande que às vezes me leva a exageros, como o post Como Ser Carioca no Brasil Inteiro, pelo qual, desde já, sinto muito se feri alguma susceptibilidade.
Mas ter amor à cidade onde se nasce, uma característica de quase todo Brasileiro, na verdade, não significa ser cego aos seus problemas. Por exemplo, falar da violência do Rio já virou clichê. Em um dos Comedy Centrals paulistas (show de standup que passa no canal a cabo VH1, toda sexta), um humorista Paulista dizia como a população Carioca já estava aprendendo inglês para receber os turistas nos eventos esportivos da cidade: “give me the wallet”. É justo, piada não tem que ser certinha, tem que ser engraçada, e ai daquele que não tiver savoir-faire para apreciá-las, vai se irritar fácil com bobagem. Do meu lado, gosto muito do programa, ri bastante com a piada e recomendo.
Mas de volta ao assunto em questão: neste momento em que escrevo este texto, é dado como 99.9% certo que, a pedido da Presidente Dilma, o Prefeito do Rio, Eduardo Paes, decretará feriado de 3 dias no Rio de Janeiro, dos dias 20 de Junho (quarta-feira, meu aniversário, ainda por cima) em diante, por causa da Rio+20. 5 dias de folga, se incluirmos o sábado e o domingo.
Que serão 10 (eu disse: DEZ) dias de economia parada na cidade na prática. A experiência mostra que segunda e terça serão enforcadas, ou no mínimo, levadas na base do “PageUp, PageDown”, o dia inteiro… juntando com a evasão na sexta anterior: 10 dias no total. Um terço do mês perdido.
Qualquer empresário que viva do comércio, da indústria, dos serviços, e não esteja ligado ao lazer e o turismo sabe muito bem o que significa um feriado desta magnitude, imposto de cima pra baixo, fora do calendário: perda significativa de receita, e – no caso da MicroSafe, por exemplo – gasto adicional com escalas de funcionários, pois a partir da filial Rio, atendemos todo o Brasil trabalhador (felizmente, a maioria dos nossos fornecedores está em São Paulo — já volto nisso à frente).
E não são só os empresários que sofrem com este tipo de decisão. Sei que é difícil o empresariado receber solidariedade da população da qual faz parte, mas creio que cada um de nós deve conhecer pelo menos algum empreendedor que é honesto. Olhe para ele ao ler este texto. Se ele é do Rio, ele está sangrando por dentro, preocupado em como irá pagar o SEU salário. Pois é o pequeno empreendedor que de fato sustenta o Brasil, com a força de seus impostos. O Brasil acaba de anunciar (ontem) mais medidas para prorrogar isenções de impostos de IPI, a economia não cresce… e um país nesta situação pode ter um estado que para de gerar receita durante um terço do mês? Estamos vivendo aonde, na terra das maravilhas?
E Carioca, funcionário, antes de sair comemorando seu descanso, que eu sei que é merecido, pois você trabalha, e muito (embora nem todo o país pense assim): saiba que esse tipo de atitude acima é apenas um dos inúmeros fatores pela qual você ganha um salário quase a metade do que seu equivalente em São Paulo ganha. Especialmente se você for da área de TI. Por conta de fatores como o ambiente acima, o Rio de Janeiro sofreu uma tremenda evasão de empresas e eventos para outros estados, que já perdura 3 décadas. Os últimos grandes bastiões da TI no Rio eram a IBM e a Xerox, mas ambas praticamente só deixaram seus prédios aqui, e moveram grandes partes de suas operações para São Paulo.
O que isso significa para você e também para o seu filho, que está se formando agora? Que a menos que ele se forme na área de Óleo e Gás, ele tem cada vez menos opções de bons empregos com bons salários no Rio de Janeiro. Como disse acima, a própria MicroSafe, hoje, já compra mais de São Paulo do que do Rio, pois senão, estaria sujeita a esta queda de economia, e isso já diz muita coisa. Por isso, volto a dizer: pense bem antes de comemorar este tipo de atitude. Você está celebrando a desvalorização da sua cidade como economia, cidade onde vive e quer que seus filhos ou pessoas amadas tenham oportunidades. Você está celebrando que limitemos as áreas onde se pode ganhar um bom salário honestamente, porque estas áreas continuam fugindo do Rio. E se perdermos os royalties, meu amigo (mais sobre isso a frente)…
Para justificar a atitude do Paes, ouvi 3 argumentos que, de tão absurdos, parecem lavagem cerebral. A saber:
“Um evento do porte da Rio+20, com mais de 150 chefes de estado, o maior já realizado pela ONU, tem que ter feriado, para melhorar a segurança e o trânsito”.
Perguntei de onde vem essa lógica. Entrei no Google e tentei achar alguma correlação entre “feriado” e “ONU”, “Doha”, enfim, grandes eventos internacionais… (tentei muitas variações, em inglês). Eu aqui posso ter não sido esperto o suficiente, talvez. O máximo que encontrei foi o endereço de um monte de Holliday Inn, que eu não sabia que tinha até na Suíça! Mas, em contrapartida, André Fucs, amigo meu que acompanhou a discussão, me enviou este artigo interessante, sobre como o Governo da Austrália baixou um ato que acabou com a farra de feriados em instituições públicas, condensando todas as datas em uma só. Na verdade, que eu me lembre, nem mesmo após o 11 de Setembro, Nova Iorque decretou algum feriado. Mas aqui, não. Em ano eleitoral, um feriado destes pode agradar muitos eleitores.
Essa atitude de “decretar feriado” fora de calendário, por evento, eu só vi sendo usada em termos pejorativos nas “Repúblicas de Bananas”, como são chamados aqueles países onde, quando morre um ditador de farda verde, logo se decreta feriado.
Imagine então esta lógica aplicada à Copa ou às Olimpíadas? Em todo jogo do Brasil, já é ponto facultativo, com isso dá pra lidar. Mas na Copa inteira? Em todo dia de jogo? O que deveria atrair empresas, vai espantá-las. A menos, repetindo, que sejam da área de turismo e lazer.
O PanAmericano já foi realizado no Rio de Janeiro, apenas com os dias facultativos em jogos do Brasil. Caos em trânsito e problemas de segurança, todo país tem. A diferença é se vamos lidar com isso com feriados, ou com “o maior centro de controle urbano do mundo”, que até hoje, pra mim, era motivo de orgulho para minha cidade, mas pelo visto, ele só funciona mesmo se todo mundo sair do Rio, “pra não atrapalhar”…
“Morar na segunda economia do Brasil é um bônus, mas têm seus ônus, este é um deles”
Esta frase é a equivalente, repaginada, de dizer que o Rio é a “Cidade Maravilhosa”, e que em troca de uma beleza natural que os Governantes pouco fizeram para criar (muito menos, preservar), você, morador do Rio de Janeiro, não pode reclamar do que há de ruim na cidade, “ou não é um legítimo Carioca”. É uma técnica sutil (ou nem tanto) de mordaça, que funciona muito bem, pois a história afetiva do Carioca com a sua cidade é fortíssima, é um verdadeiro troféu para ele poder ser chamado de Carioca, e o pensamento de ser visto como um desdenhador de sua cidade tem a força até de calá-lo. Não caia nessa, amigo.
Quanto ao Rio de Janeiro ser a segunda economia do Brasil, isso é verdade por uma única razão: Petróleo. Depois desta discussão, eu cheguei a pensar que o Rio DEVE perder os royalties. Talvez assim, sem sua renda recorrente e garantida, ele passe a se preocupar em fomentar o empreendedorismo na cidade.
O Eduardo Paes está apenas cumprindo ordens de cima
Você se lembra da última nação que se saiu com esta desculpa?
Dentro do Brasil, onde devo todo meu respeito à Presidente Dilma, moro no Rio, onde devo respeito ao Governador Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes. Isto não significa que tenho que concordar com tudo que fazem, e não possa debater o que acho errado. Aqui mesmo no Blog já elogiamos a Nota Fiscal Carioca, entre outras atitudes do governo. Mas quando tenho um Prefeito “flexível” o suficiente para se submeter a uma decisão que só pode ter fundo eleitoreiro, prejudicando milhares de empresários que ainda fazem do Rio a sua cidade… desculpe. Já chega de ficar calado.
Em resumo
Não tenho a menor esperança que esta decisão não vá pra frente. Não acredito nem conseguir angariar qualquer simpatia, ou mesmo compreensão, com este post, que é mais um desabafo do que qualquer outra coisa.
Durante a discussão que tive, com várias pessoas inteligentes, umas contra, outras a favor, cheguei a alfinetar que nunca vi Governo algum propor desconto em impostos para compensar queda de receitas causadas por Feriados fora do calendário, ou redução do valor das horas extras pagas a funcionários nesta situação. Mas isso foi só uma alfinetada, pois só estimularia mais ainda a indústria do “Dolce far niente”, que o Ancelmo bem colocou acima. Não quero nem uma coisa nem outra. Quero a moralização do calendário de trabalho como um pensamento de sociedade, e que jamais seja usado como desculpa para eventos ou comemorações “bananosas”.
Volto a dizer: amo a minha cidade. De coração. Gosto do trabalho que vem sido feito nela, não ignorando as críticas a respeito de como têm sido conduzidas.
Mas feriado de praticamente 10 dias, fora do calendário oficial do país, é pro empresário Carioca honesto mandar tudo às favas e começar a planejar sua mudança para um estado que respeite o trabalho dele. Sinto muito.
PS: Este artigo foi enviado para o Twitter @eduardopaes_, que pode se sentir à vontade para exercer seu legítimo direito de resposta, se assim o quiser
ATUALIZAÇÃO 25/04/2012:
Em 27/03/2012, a MicroSafe publicou este Editorial com sua opinião da então pretensão do Governo Federal e Municipal, do Rio de Janeiro, em decretar Feriado durante a Rio+20. Nosso artigo procurou contrapor opiniões que exibissem o impacto negativo na economia de nossa tão amada Cidade, e na valorização da empregabilidade do Carioca, com uma decisão destas.
Não esperávamos sequer simpatia às nossas idéias, e por isso, ficamos surpresos com a repercussão positiva do artigo, que teve mais de 100 Curtidas e foi visto por mais de 8 mil pessoas, até o momento.
Hoje, dia 25/04, saiu a decisão que declara a Rio 20 não como Feriado, mas ponto facultativo, somente para órgãos públicos.
Gostaríamos então de agradecer ao Prefeito Eduardo Paes por esta decisão, que imaginamos, não tenha sido fácil. E também um obrigado muito especial a todo leitor do Blog da MicroSafe que leu, criticou, elogiou, e, principalmente, divulgou esta ideia. Pode ser que ela sequer tenha chegado aos ouvidos de nossos governantes. Mas com certeza, estamos felizes de tê-la colocado em público. Obrigado!